sábado, 17 de novembro de 2007

Punidas por serem mulheres

The New York Times

16:00 02/11

Bob Herbert
Noivas sendo queimadas, assassinatos em nome da honra, tráfico de sexo, estupros em massa como armas de guerra e muitas outras formas terríveis de violência contra mulheres são documentadas num relatório da ONU publicado no mês passado.

Leia abaixo o texto
O relatório, uma compilação de muitos estudos pelo mundo, deveria ser visto como o mais novo alarme dessa guerra mundial permanente - uma guerra contra as mulheres em todo o planeta. Ao invés disso, a mídia em geral recebeu seu chocante conteúdo com um bocejo coletivo.
A analogia da guerra não deve ser subestimada. Em muitas partes do mundo, homens espancam, torturam e matam mulheres impunemente. Em Cidade Juarez, uma cidade mexicana na fronteira com o Texas, entre 300 e 400 mulheres foram assassinadas nos últimos anos. Muitas foram estupradas e mutiladas. A crença de que tais crimes sairíam impunes foi fator "decisivo" para que ocorressem, diz o relatório.
A cada ano milhares de esposas na Índia são assassinadas e mutiladas - muitas delas, mergulhadas em querosene e queimadas - pelos maridos insatisfeitos com o tamanho dos dotes ou irritados com o comportamento das mulheres. Na Etiópia, o seqüestro e estupro de meninas é prática comum para que homens obtenham esposas. Em muitos casos, os pais concordam com os casamentos, acreditando que a criança estuprada não serve mais para casar com ninguém.
No Paquistão, uma mulher não pode provar legalmente que foi estuprada a não ser que quatro homens "virtuosos" muçulmanos testemunhem o ataque. Sem as quatro testemunhas, a mulher se torna vulnerável a ser processada por adultério e fornicação.
Enquanto não existem dúvidas de que homens mutilam e matam outros homens em números exorbitantes, o que quero reportar aqui é a maneira de que as mulheres, aos milhões, estão sistematicamente virando alvos de ataques só porque são mulheres.
Em alguns casos a violência sexual vem em ondas grandes e doentias. É só pensar, por exemplo, em Darfur, Congo, Sudão e a ex-Iugoslávia. Segundo o relatório, "a incidência de violência contra as mulheres no conflito armado, especialmente a violência sexual, incluindo estupros, está cada vez mais reconhecida e documentada".
Mais de 130 milhões de meninas e mulheres vivem com as conseqüências da mutilação dos órgãos genitais, e muitas outras morreram por conta dessa prática cruel. Jessica Neuwirth, presidente da Equality Now, uma organização de direitos da mulher disse: "Qualquer mulher que já foi mutilada conhece alguém que morreu por conta disso. Elas morrem de hemorragia, ou infecções, ou desenvolvem problemas enormes de saúde no futuro".
A descrição dos sérios abusos contra as mulheres parece interminável: casamentos infantis, casamentos forçados, seqüestros e prostituição forçada, escravidão sexual. De acordo com o relatório da ONU, "um estudo na Índia estima que a seleção de sexo pré-natal e infanticídio são a razão de mais de meio milhão de desaparecimentos de meninas ao ano nos últimos 20 anos".
A forma mais comum de abuso contra mulheres e jovens pelo mundo é a violência pelos parceiros. Grandes porcentagens de mulheres vítimas de assassinato, mesmo em países desenvolvidos como Austrália, Canadá, Israel e EUA, são mortas pelos ex-namorados, ex-maridos ou os companheiros atuais".
Um estudo de mulheres jovens vítimas de assassinato nos EUA descobriu que o homicídio era a segunda maior causa de morte para garotas entre 15 e 18 anos, e que 78% de todas as vítimas de homicídio foram assassinadas por um conhecido ou um parceiro íntimo.
A pesquisa da ONU afirma o que já deveríamos ter concluído: que essa impregnante violência contra as mulheres, "perpetrada pelo estado e seus agentes", por estranhos ou familiares, na esfera pública ou privada, em tempos de paz ou guerra", é inaceitável.
Não só não estamos fazendo o suficiente para impedir essa destruição das vidas de tantas mulheres e jovens, tamém não estamos prestando atenção suficiente. Existem movimentos femininos até nos menores países do mundo, lutando contra a violência e outras formas de abuso. Mas tais organizações não possuem fundos e muito pouco apoio daqueles que poderiam ajudar. Até no Afeganistão do Talibã existem mulheres que dirigem escolas clandestinas, e meninas que arriscam suas vidas para estudar.
Havia um tempo em que ativistas clamavam pelo aumento da consciência coletiva. Não é tarde demais. Podemos começar reconhecendo que a sistemática subordinação e brutalização das mulheres pelo mundo de fato acontece - e que precisamos fazer algo à respeito.

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