terça-feira, 15 de julho de 2008

A mulher é uma mercadoria como outra qualquer, diz o antropólogo Marc Augé

“A prostituição revela a verdadeira face do utilitarismo capitalista”, diz o antropólogo francês, Marc Augé. E o espetacular incremento do número de prostitutas nos últimos 15 anos “é filho da globalização”.
Marc Augé é o autor da fórmula “não-lugar” [Não-lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade (Papirus, 1994)], que tanto êxito teve para representar e esclarecer dinâmicas da sociedade contemporânea. Perguntado pela formas de exploração que hoje afetam 500 mil pessoas em toda a Europa – mais de 30 mil na Itália –, lança sua acusação: “O tráfico de escravos do Terceiro Mundo é o produto de nossas sociedades. Alimenta-se de necessidades consubstanciais com o atual sistema econômico no qual tudo, inclusive os seres humanos, é reduzido a mercadoria”.
Segue a íntegra da entrevista que o antropólogo Marc Augé concedeu ao jornal italiano Il Manifesto, 3-11-2007. Tomamos a tradução espanhola do sítio La Haine, 7-11-2007. A tradução é do Cepat.
Por que, depois de anos de diminuição, nos últimos quinze anos cresceu novamente de maneira exponencial o número de prostitutas?
Trata-se de um dos vieses negativos de uma globalização em que tudo se converte em objeto de comércio. Também a vida humana. É um fenômeno que se dá em ambos os sentidos: através da importação de escravas que são vendidas nas aceras de nossas ruas, mas também, graças ao turismo sexual, em países em que a pobreza é tão grande, que força muitas mulheres a colocar o próprio corpo em leilão. Um fenômeno que se desenvolveu inclusive em concomitância com a ampliação das economias nacionais e dos mercados.
Então, a prostituição como o negativo de nosso sistema econômico e social?
A prostituição é um fenômeno extremo, e precisamente por isso permite reconhecer mais facilmente as estruturas sociais dominantes. No caso da Europa de hoje, reflete de maneira particularmente explícita e clara a cultura especificamente utilitarista e comercial do capitalismo. Uma cultura na qual tudo, até a própria existência individual, se converte em instrumento de satisfação do consumo. Uma cultura que teoriza a livre circulação das mercadorias, obrigando assim as pessoas que querem chegar ao Ocidente a se transformar em bens de consumo.
Contudo, as nossas são sociedades em que há uma relativa liberdade sexual.
É verdade, mas a ilusão de uma transformação antropológica, característica dos anos sessenta, era isso, uma ilusão. Desaparecida, por exemplo, a perspectiva de uma paridade completa homem-mulher, determinados modelos ancestrais reapareceram com todas as raízes intactas. Por essa razão, muitos clientes sustentam que andar com prostitutas lhes permite fazer com elas coisas que não podem fazer com suas mulheres. Com a diferença de que, hoje, aquelas pulsões ancestrais assumem características típicas de nosso tempo, e se expressam em relações cunhadas pelo sistema em que vivemos. A cultura consumista, por exemplo, estimula a prostituição enchendo a nossa vida cotidiana com inúmeras imagens eróticas, a fim de gerar novas necessidades, novas exigências e novas fatias de mercado.
Num recente estudo francês aparece uma elevadíssima taxa de violência dos clientes em relação às prostitutas.
Trata-se de um fenômeno muito complexo, no qual entram em jogo os clássicos mecanismos de dominação machista. No caso específico, o fato de que estas mulheres não sejam prostitutas, mas verdadeiras escravas, pessoas que não escolheram exercer essa atividade, mas às quais isso foi imposto à força, as torna ainda mais atrativas para um certo sadismo que se alimenta da imagem do branco dominador que maltrata a mulher, ser mais frágil e acima de tudo, pertencente a populações consideradas inferiores. Este é o esquema, alimentado e difundido pelos meios de comunicação e pela natureza arquicomercial do atual capitalismo. Por essa razão, hoje, as prostitutas já não são mais seres humanos, mas objetos para usar e descartar.
Como você analisa o fenômeno fora dos grandes centros habitados, no campo ou nos centros provinciais?
É uma prova a mais de um tipo de globalização consistente em submeter o território às exigências do consumo. Um fenômeno que coincide com o desaparecimento, cada vez mais claro, da distinção entre campo e cidade. Para dar-se conta disso, basta viajar: já não existem oásis ou descontinuidades na exploração do território. As prostitutas-escravas não são uma exceção; estão disponíveis em qualquer lugar.

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